domingo, 29 de agosto de 2010

Impressões sobre o PCULT por Rodrigo Savazoni

Car@s,

Chegando para o debate. Muitos de vocês conheço de outros e bons carnavais. É bom estar aqui.

Não vou ficar falando de mim, nem me apresentar, porque isso é o que menos importa. Vim para debater, com os senhor@s, os rumos da cultura no Brasil, por meio dessa ampla frente de forças que se arregimentam em torno do Partido da Cultura.

Queria aproveitar a discussão recente, ocasionada pelo Éverton, para ponderar algumas coisas sobre a conjuntura política e, a partir daí, antever – de forma parcial e limitada – os próximos capítulos desta história que nos toca.

Sobre o Partido dos Trabalhadores

Faço parte de um grupo de pessoas que sempre esteve próxima do PT, dentro do seu espectro de influência, sem jamais ter sido do Partido. Um eleitor e colaborador crítico, portanto. É esse o meu lugar de fala. É daí que vejo a questão. Tenho debatido e trabalhado com o PT desde sempre e me sinto muito próximo, mas não estou dentro, nem pretendo estar. Mas estou dentro desse arranjo inicial do PCult, disposto a chegar a algum lugar.

Retrocedo à ascensão de José Dirceu ao comando da legenda, em 1995, no processo que pode ser definido como guinada à realidade, onde começa efetivamente a eleição de Lula. É nessa inflexão, que culmina com a Carta ao Povo Brasileiro, durante a campanha de 2002, que o PT sacrifica, conceitualmente, sua visão mais ortodoxa do processo de mudança do país para aderir estruturalmente a uma visão reformista, por meio da disputa eleitoral, de alianças com forças “estranhas” à esquerda, e do foco em administrar o estado em benefício dos “de baixo”. Nunca se comeu tanto, nem a renda foi tão bem distribuída e nunca os bancos ganharam tanto como nestes oito de governo Lula. Nos tornamos uma democracia de massas majoritariamente urbana, com a inserção de um contingente de mais de 40 milhões de brasileiros na classe média, mas ainda dependente em seu arranjo econômico do agronegócio e da exportação de produtos de baixo valor agregado – considerando inclusive nesse cenário os bens culturais (que conformam, por exemplo, a principal indústria de exportação dos Estados Unidos).

Não é simples analisar o PT dentro deste contexto. Nos anos 90 houve o início do expurgo trotskista do partido que culmina com a “expulsão” dos radicais no início do governo Lula. Nesse período também se conforma a saída da base organizada do partido mais próxima à Igreja Católica, e, também é época do afastamento dos intelectuais e artistas que sempre estiveram na triade constitutiva da legenda. Restou, portanto, o PT mais próximo do sindicalismo, sua outra força originária, e algumas alas “críticas” hoje reunidas no movimento Mensagem ao Partido (que tem dificuldades sérias de explicar como sobrevive internamente, inclusive promovendo, em várias instâncias internas, debates sobre permanecer ou sair). Sem dúvida, o PT é uma construção fundamental para a democracia brasileira, mas já não pode ser visto como aquele partido defensor de um socialismo democrático pós-soviético. É tanto mais uma enorme força eleitoral, que, conforme assumem seus próprios quadros, perdeu – e muito – a capacidade de formulação e leitura do Brasil, o que faz com que, muitas vezes, se posicione de forma dúbia e frágil diante de várias bandeiras fundamentais. Entre as quais, eu diria, a cultura.

Para exemplificar o que digo, fico com uma frase recente de Dilma Roussef a quadros de sua campanha, onde ela afirma que, em muitos momentos, o PT parece não ter entendido o governo Lula. Podemos parafraseá-la e dizer: o PT também não entendeu o Ministério da Cultura do Governo Lula. E aqui fica a deixa para a segunda parte da minha visão.

Sobre o Ministério da Cultura do Governo Lula

O Ministério da Cultura do Governo Lula é um acontecimento histórico que também levará tempo para ser compreendido. Não é certa qualquer leitura sobre esse ministério dentro da chave político-partidária. Ele foi um ministério edificado em torno da altiva mensagem de Gilberto Gil, que modernizou a música brasileira ao ampliar os horizontes da nossa “comunidade imaginada”, mostrando que o Brasil é algo além de uma nação (e talvez por isso jamais tenha conseguido se organizar como tal). O Brasil é uma internacionalidade organizada em território definido, e daí que, nesse sentido, é possível dizer que em vários momentos, foi por meio desse espaço institucional de disputa que chegamos mais próximos de uma política antropofágica no Brasil. O Ministério da Cultura operou, portanto, numa chave política que nenhum partido brasileiro jamais conseguiu assimilar. Foi e é constituído por pessoas e lideranças do PV, do PT, do PcdoB, PSB, entre outras forças, que inclusive transcenderam os limites dos espaços de onde partiram para construir algo mais complexo e refinado. Nessa configuração, quem ganhou foi o país – mas ainda resta muito por ser feito.

Aproveito e cito, inteiro, aqui, um texto do amigo João Brant, do Intervozes, publicado no Trezentos.

Política Pau Brasil

Ainda não escrevemos nosso manifesto Pau-Brasil da política. Nesse campo nem ainda tivemos nossa semana de 22. Somos os exploradores predatórios daquilo que é comum, extraímos tudo que a terra não nos pode dar, nos amparamos naquilo que temos de pior: a subordinação do coletivo aos interesses particulares comezinhos, a fragilidade dos valores públicos e a diluição dos conflitos em nome de uma harmonia socialmente desastrosa.

Nosso nome é marca da exploração secular, pau-brasil da madeira que queima e é queimada. Na política, na verdade, somos desde sempre paus-brasis. Se a poesia existe nos fatos, também assim é a política. Ágeis, mas não ilógicos, não tergiversam.

Nossa representação opera em duas camadas, aparentemente conflitantes, mas complementarmente indivisíveis. Nos 18% visíveis, o discurso cortês e romântico, a acomodação de interesses, e a supressão das diferenças, na melhor cordialidade hollandina. Nos 82% submersos, o pragmatismo voraz, o imediatismo predatório, o autoritarismo disciplinador das relações e o entrelaçamento dos interesses públicos e privados, em clientelismo sob patrocínio estatal.

O trabalho contra o detalhe naturalista – pela síntese; contra a morbidez romântica – pelo equilíbrio geômetra e pelo acabamento técnico; contra a cópia, pela invenção e pela surpresa”. Contra a maneira ora barroca, ora romântica, quase sempre parnasiana de praticar sua política, o Brasil há de inventar sua modernidade. Precisamos aqui ser modernos como somos na música, no vôlei e em todas as ocasiões em que sabemos aliar inventividade com precisão técnica.

Contra a acomodação de interesses, a síncope do samba; contra a harmonia cordial, a dissonância harmônica da música mineira; contra o patrocínio público de interesses privados, asas brancas, disparadas e águas de março; contra o clientelismo, as assistências originais de nossos levantadores e levantadoras.

A cozinha, o minério e a dança. A voz, o voto e a vontade. A vegetação. A participação. Pau-Brasil. Saibamos encontrar nosso caminho.

Daí que o sentido de urgência que grassa, com certeza, transcende questões historicamente compreendidas fora da cultura mas que, no século 21, revelam-se totalmente afeitas a este nosso debate, talvez a este nosso partido (ainda que aqui a expressão partido seja mais uma provocação que propriamente um substantivo que nos defina).

Creio que o principal aspecto é demonstrar o quanto a formulação e o desenvolvimento de políticas públicas no campo da cultura são fundamentais para o país que se pretende uma força global neste início de século – o que não será feito sem que superemos várias das nossas diferenças internas, o que não é simples, mas parece plenamente possível – sem dúvida como resultado das contribuições de muitos de nós.

Antes, só faço uma ressalva para a importância de adensarmos nosso compreensão sobre o que ocorreu no Ministério, inclusive pensando numa possível continuidade a estruturação das políticas públicas de cultura (o que deve ser nossa principal bandeira), para não retrocedermos à época do balcão de negócios. Agora, é também preciso apontar os limites e equívocos a atual equipe, principalmente em relação à gestão e a capacidade executiva.

Sobre o Brasil Potência (Esperança x Pragmatismo)

Isso dá aval para o próximo ponto que quero explorar, que é o fim do “ciclo da esperança”, com o fim do governo Lula. Para mim, o governo Lula encerra o ciclo das utopias pós-redemocratização. Insere o Brasil definitivamente na economia global, a partir daquilo que, no pós-derretimento de mercados, foi enfim possível de realizar: a conformação de uma economia de massas e um mercado interno vigoroso.

A que custo? Ainda é difícil compreender. Mas, no afã da construção de uma Nação que se atualiza (deixando de ser uma promessa), os sonhos ficam pelo caminho em nome de novos valores, como liderança global e estabilidade democrática.

Qual seria a nossa aposta para a constituição de "uma comunidade de cidadãos e produtores com discernimento crescente, capaz de impor limites crescentes à barbárie reproduzida pelo capital?"

Nesse sentido, não deixa de ser interessante que a cultura persista fora dos debates atuais sobre esse tema, como se fosse aspecto secundário, menor.

Precisamos forçar essa porta, a partir de uma visão que deglute contradições e projeta valores de uma sociedade que rompa a dicotomia modernista - de certa forma como está fazendo a Índia? Não sei.

Mas tenho cá para mim que a nossa saída não passa pelo dilúvio no Xingu, mas justamente pela construção de valores baseado no reconhecimento da diversidade intrínseca que nos constitui. Daí que assusta um pouco o porvir, pela parte ou pelo todo, e a ausência de uma alternativa ao modelo de desenvolvimento que inclui dilacerando, dilapidando, escalpando a tradição e a origem. Uma potência que perfaz o caminho das nações que produziram um mundo em colapso? É isso que queremos? Não creio que seja.

Toda essa verborragia aponta, para mim, para a seguinte questão: precisamos pensar fora das caixas. Precisamos assumir olhar para a realidade sem buscar necessariamente conforto nos parâmetros que nos antecederam. Um bom caminho, me parece, como propôs Slavoj Zizek, contra a culturalização da política (uma das marcas do neoliberalismo), a politização da cultura, sem concessões, o que me parece ser a proposta deste grupo em franco crescimento. Se esse objetivo – e apenas esse – for alcançado por nós, já teremos dado uma enorme contribuição ao avanço do debate público no país, ainda mais neste contexto eleitoral.

Abraços,


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